Crónicas de Maputo

Pequenas páginas de um extenso álbum de memórias gravado durante um ano de intensas experiências vividas enquanto trabalhei em Moçambique no ano lectivo de 2004/2005.

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Localização: Fundão, Cova da Beira, Portugal

sábado, novembro 20, 2004

Malanga e Fajardo

Longe dos supermercados e lojas do centro da cidade os mercados periféricos de frutas e legumes são uma alternativa muito mais barata para a compra destes bens... Hoje fui conhecer os mercados da Malanga e do Fajardo situados mesmo no final da Avenida 24 de Julho, que atravessa toda a capital.

Frequentados quase exclusivamente por africanos, são raríssimos os indianos que se vislumbram (esses abastecem-se normalmente nas pequenas mercearias cujos proprietários também são hindus) e brancos ainda menos... aliás a minha presença é perfeitamente notada e obviamente sou alvo constante de chamamentos para comprar qualquer coisa; a comunicação nem sempre é fácil pois muitas destas pessoas não falam português, o Shangana é a língua que conhecem e falam e como não frequentaram a escola não aprenderam nunca a língua de Camões – porém, há sempre alguém na banca ao lado que dá uma ajuda e lá se consegue fazer o negócio (com o sacramental regateio preliminar).




Contrastando com a arrumação e limpeza do já centenário Mercado Central da Baixa de Maputo, as bancas aqui são improvisadas com madeira retirada de caixotes e cobertas com pedaços de tecido cartão e plástico arranjados aqui e ali... a primeira impressão é, para um Europeu, estranha e confusa designadamente no capítulo da higiene e organização, mas vencida a natural barreira da descontextualização cultural, depressa se descobrem outras virtudes neste mercado edificado sobre chão empoeirado num dia típico de sol ardente africano ou enlameado depois de uma chuvada. Logo à partida salta à vista a imensa diversidade de cores e cheiros dos produtos frescos que aí se vendem, muitos deles constituindo uma perfeita novidade para mim. Trazidos directamente da Machamba (pequeno quintal, muitas vezes comunitário) ou adquiridos em mercados abastecedores, as frutas e os legumes, as especiarias e os frutos secos amontoam-se em pequenas pirâmides que podem ser trocados por algumas moedas... valores quase irrisórios para um ocidental, mas que fazem toda a diferença para quem vive ainda muito abaixo dum limiar aceitável.

Depois, e acima de tudo, é impossível não ficar contagiado pela sonoridade mágica deste (e presumo que dos restantes) mercado... os risos e desabafos das vendedoras, intercalados aqui e ali com cânticos que se vão fazendo (muitas vezes ao desafio entre as várias bancas) e complementados com explosões de contentamento quando lhes dirigimos uma palavra mais terna ou, principalmente, quando compramos algo são perfeitamente indiscritíveis e apaixonantes. Onde este povo vai buscar tanta alegria é que continua a ser um mistério para mim...



quarta-feira, novembro 10, 2004

Quando as torneiras do céu se abriram...

Às seis e dez da manhã o despertador resgata-me do sono profundo e recorda-me que mais um dia de trabalho me espera. Naqueles breves instantes que medeiam o despertar e o acordar (onde tanta vez me interroguei onde estava) sou confrontado com um estranho som metálico que ainda não tinha ouvido aqui em Maputo – o metálico estrondo de milhares de gotas de água que embatiam nos vidros e nas paredes do meu apartamento: estava a chover... ou melhor estava a Chover!

Ao sair de casa apercebi-me da dimensão da intempérie; o ruído da chuva era quase ensurdecedor e abafava por completo o som dos carros e os gritos dos cobradores dos chapas que paravam à esquina do prédio; paradoxalmente (pelo menos do meu ponto de vista) esta nova condição meteorológica não impedia que um forte calor se sentisse, ao ponto de se verificar uma aparente sugestão de que a água que caía era quente... talvez não o fosse, mas uma certeza tive – molha! Molha mesmo, não só os tolos (como a chuvinha do meu país) mas todos aqueles que não têm a esperteza suficiente para dela sair o mais rápido possível. Quase que me incluo nestes últimos, pois a opção de contemplar o ambiente teve o dom de me deixar praticamente encharcado. Apressei-me enfim para o carro rezando para que ele fosse mais tolerante à chuva do que muitos e não me deixasse ficar mal. Não deixou!

A caminho da escola verifico que apesar do temporal, o movimento na cidade pouco mudou e que as bermas e passeios estão na mesma repletos de pessoas (algumas com o passo mais apressado que o habitual, outras nem por isso) que se deslocam para o trabalho acompanhando os beirais cheios de água, ambos correndo como que por instinto para um destino dado como certo. O fluxo de água é tal que o final da avenida que conduz à escola está transformado num verdadeiro rio e é com extrema dificuldade que consigo ultrapassar esta barreira (ainda bem que não comprei um carro desportivo!).

Ao chegar à escola, fico a saber que “Isto não é nada! É só um chuvisco!” (embora não me sinta à partida muito convencido, recordo as imagens das cheias de 2002 e dou a braço a torcer… tudo bem, é só um “chuvisco”, mas é o maior “chuvisco” que já vi!). Após as aulas da manhã tudo tinha terminado e o sol voltou a reinar no céu azul puro a que já me habituei. Decidi ir almoçar ao “Costa do Sol” e no regresso, por entre as árvores carcomidas da marginal de Maputo, senti um cheiro novo... o da terra vermelha molhada que aquece de novo sob o sol! Não sei se é este o tal cheiro de África que tão ansiosamente perspectivei à chegada a Moçambique, mas é um cheiro diferente e surpreendentemente (ou talvez não) muito agradável. Que pena que o odor não seja fotografável!