Crónicas de Maputo

Pequenas páginas de um extenso álbum de memórias gravado durante um ano de intensas experiências vividas enquanto trabalhei em Moçambique no ano lectivo de 2004/2005.

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Localização: Fundão, Cova da Beira, Portugal

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Saudade

Muitas vezes ouvimos que saudade é uma palavra portuguesa sem tradução nem equivalência noutras línguas; será um sentimento exclusivo do povo português? Sinceramente duvido, mas é indesmentível que mais ninguém o expressa como nós, quer no nosso quotidiano, quer na nossa cultura (repare-se no Fado – expoente máximo desse sentimento).

Mesmo sendo Portugal uma nação universal com comunidades espalhadas pelo planeta inteiro, herdeira de gerações de marinheiros, descobridores e comerciantes que criaram a (agora malfadada) globalização, serão poucas as gentes que sintam um apelo à terra-mãe tão grande como os ilustres lusitanos. Embora emigrados pelos quatro cantos do mundo, os portugueses na diáspora vivem com o pensamento na visita anual ao seu país e com o sonho do dia em que poderão regressar de vez.

Ao embarcar nesta aventura de vir sozinho para Moçambique perspectivei variadas vezes esta situação e antecipei a forma como reagiria a esse inevitável sentimento, mas, confesso que desconhecia de todo a magnitude com que este nos afecta. Após um primeiro período em que a descoberta desta nova realidade me deslumbrou e em que as inúmeras solicitações pessoais e profissionais me mantiveram distraído, a semente da saudade germinou numa explosão de sensações que me apanhou de alguma forma desprevenido. Cedo me apercebi do extraordinário (e incaracterístico) prazer com que assistia aos desafios de futebol do campeonato português e não levou muito tempo a que abdicasse de 3 milhões de meticais para possuir uma televisão que me permitisse seguir religiosamente o telejornal pela RTP África. Porém, aos poucos tal deixou de ser suficiente e no final de cada emissão (pese embora a catadupa de más notícias que por um lado me despoletavam um certo alívio em estar longe) invadia-me uma nostalgia que fatalmente me entristecia. Sem dúvida que as novas tecnologias permitem-nos aproximar daqueles que nos são mais queridos e quer o telefone quer o correio electrónico ajudaram a encurtar distâncias; contudo, nada acalma a agonia duma solidão que nos assola sem aviso quando nos consciencializamos da irremediável separação que impossibilita o contacto com quem nos ama, particularmente se sabemos que estes não estão bem. Não me lembro de ter sentido alguma vez tamanha frustração.

A recente deslocação que fiz a Portugal por altura do Natal acabou por potenciar este sentimento e a expressão carregada de amargura que a minha mãe espelhava na face em plena estação de caminho de ferro enquanto aguardávamos pelo comboio que me levaria a Lisboa, o esgar de quem quer sorrir enquanto engole uma lágrima e exclama «7 meses passam depressa» sem acreditar no que diz, ficaram de tal modo gravados na minha mente que não consigo neste momento pensar nela sem que essa recordação invada todas as outras memórias. O mesmo poderia dizer em relação à minha companheira e à tristeza que envolveu o último beijo. São imagens com que vivo diariamente e que me assombram antes de adormecer.

Uma coisa é certa, adquiri sem me aperceber um respeito incrível e uma enorme admiração por todos aqueles que pela necessidade material e com a perspectiva de um futuro diferente e melhor mudam de país deixando para trás não só a família e amigos, mas também uma parte de si... este respeito e admiração reparte-se quer pelos que partem, quer pelos que ficam – sinceramente não consigo dizer quem sofre mais.

Vem-me agora à memória a célebre frase de Donne (Nenhum homem é uma ilha...) e como já disse atrás, acho que ninguém é indiferente à separação; de qualquer forma cada qual tem o seu modo de sentir. Para alguns a distância não constitui grande óbice, para os latinos em geral e os portugueses em particular ela é extremamente difícil de aguentar (e lá vem a dita saudade)... para mim é impossível suportar e já tomei a decisão de regressar em definitivo a Portugal no próximo verão.