Crónicas de Maputo

Pequenas páginas de um extenso álbum de memórias gravado durante um ano de intensas experiências vividas enquanto trabalhei em Moçambique no ano lectivo de 2004/2005.

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Localização: Fundão, Cova da Beira, Portugal

terça-feira, fevereiro 01, 2005

Inhaca - Praias de Sonho

A Ilha da Inhaca é pródiga em praias e recantos perfeitamente paradisíacos. Praticamente toda a costa está forrada de uma areia muito branca, tão fina e quente que o contacto com o corpo provoca uma sensação extremamente agradável e algo sensual. Percorrer o litoral da ilha num pequeno bote de pesca enche-nos o olhar com visões dignas de um sonho – são quilómetros de paisagem praticamente virgem que nos levam a julgar estar sozinhos no mundo.

Um óbvio destaque vai para a Ilha dos Portugueses. Totalmente desabitada (provavelmente pela falta de água doce) esta pequena ilha, a escassas centenas de metros da Inhaca, é um refúgio perfeito para uma “desintoxicação” da vida urbana: a calma é total e o silêncio apenas quebrado pelo sereno esvoaçar de uma ave ou pelo repousante e envolvente bater das ondas na areia da praia. Caminhando um pouco para o interior encontramos uma lagoa (de água salgada) que no período de maré alta é ideal para nadar tranquilamente (apesar dos ouriços do mar que insistem em nos presentear com alguns espinhos pontiagudos nas plantas dos pés – citando o meu amigo Frank “Senhor, cuidado com as coisas que picam!” - obviamente que mal entrei na lagoa acertei em cheio numa das coisas que picam... felizmente as picadas não causaram qualquer tipo de reacção, apesar de um pouco doloroso). O único problema desta ilha é a ausência de zonas de sombra – os quilómetros de dunas estão completamente expostos ao abrasador sol africano e o mato é tão denso e tão densamente povoado de insectos e pequenos répteis que não consiste uma alternativa viável.


A praia de Santa Maria, na zona Sudeste da ilha, tem como ponto alto as rochas totalmente cobertas de conchas (aguçadas como facas) e uma linha de corais, ideal para a prática de ‘snorkling’ – mergulho em apneia que nos permite dislumbrar dezenas de pequenos peixes coloridos e irrequietos. Caminhando para Este, chegamos à costa banhada pelo Oceano Índico; as águas calmas da baía de Maputo dão aqui lugar ao mar revolto e agitado, que Gama desbravou há 500 anos atrás. Aqui um outro espectáculo nos é oferecido: largas dezenas de caranguejos, maiores que a palma de uma mão, pululam o areal, fugindo para o mar ou enterrando-se na areia quando sentem a nossa aproximação.


A minha preferência vai contudo para a zona Norte da ilha, onde está instalado o farol. A vista aqui é deslumbrante: o mar tem uma cor fabulosa e diversos bancos de areia levam-nos a acreditar que seria possível caminhar pelo mar dentro até à Ilha dos Portugueses, cenário impraticável devido às traiçoeiras correntes do Índico (para não falar nos tubarões). Estes mesmos bancos de areia impossibilitam a viagem de barco desde Inhaca até à Praia do Farol; efectuei esta ligação num 4x4 de um amigo do Frank (uma viagem inolvidável pelo interior da ilha onde zonas de densa floresta são rasgadas aqui e ali por alguns pastos e por meia dúzia de pequenas palhotas onde habitam dezenas de locais). A praia é uma pequena enseada que, devido à (ainda) inexistência de qualquer construção permite um contacto único com o meio. Senti-me envolto numa paz tão grande enquanto respirava aquele ar puro e era banhado naquele agradável característico aroma a sal que lamentei terrivelmente na hora de voltar para o hotel.


Resumindo, sendo esta uma pálida amostra daquilo que este país dispõe em termos de praias, as maravilhas que nos oferece associadas à proximidade da capital Maputo, transforma-a num refúgio perfeito.

Inhaca - Frank

Chegado a Inhaca, após um breve reconhecimento à cabana sobre o areal onde fiquei instalado, decidi dar uma pequena caminhada pela praia junto ao cais de atracagem dos barcos que efectuam a ligação com o porto de Maputo (solução bem mais económica que a ligação aérea e certamente muito mais interessante – tenho de experimentar em breve).

Enquanto me deleitava com o suave toque de uma areia muito fina e limpíssima, fitava o horizonte onde era possível dislumbrar alguns dos prédios mais altos da cidade de Maputo. Sentado na areia a fumar um cigarro fui surpreendido por uma criança que por ali vagueava; cumprimentámo-nos e rapidamente encetámos uma agradável conversa – imediatamente descobri que o Frank não era um simples míudo: qual Capitão da Areia saído do romance de Jorge Amado, Frank “domina” toda a ilha, conhecendo todos os lugares e pessoas e movimentando-se como ninguém. Graças a ele calcorreei os principais recantos deste paraíso perdido em vez de me limitar às 2 ou 3 rotas pela agência de excursões sul-africana que existe na ilha; mais ainda, consegui poupar bastante dinheiro, pois os transportes que ele arranjou saíram sempre muito mais baratos dos que se recorresse à referida agência.

Tudo aquilo que se pede ao Frank ele arranja – um barco para a Ilha dos Portugueses ou para a praia de Santa Maria, um Jeep para ir até ao farol ou para a viagem de regresso ao aeroporto, peixe palhaço fresquíssimo e a preço de amigo, uma garrafa de aguardente de cana feita na ilha (à qual os locais dão o nome de “tontonto” devido ao barulho que o líquido faz quando bate no alambique metálico), enfim... é só dizer que ele rapidamente providencia!



O dia-a-dia deste míudo de 14 anos, que nunca saíu desta ilha, é acompanhar os turistas que por ali passam, conseguindo desta forma alimentar-se substancialmente melhor e recebendo alguns trocos como gorjeta. Frank acompanhou-me durante os três dias em que estiv na ilha; muito mais do que um simples guia ou carregador, ele foi uma agradável companhia, tendo sido extraordinário partilhar os seus sonhos e expectativas (à sacramental pergunta “o que queres ser quando fores grande?” ele responde sem hesitações e com um brilho no olhar, “piloto de avião, para poder voar para fora da ilha!”), bem como conhecer um pouco do quotidiano deste povo que com escassíssimos recursos consegue encontrar a felicidade.

Frank é daquele tipo de pessoas que gostamos desde logo e que dificilmente voltamos a esquecer.

A Ilha de Inhaca

O ritmo de trabalho e a inesperada quantidade de solicitações a que tenho sido submetido aqui em Moçambique têm-me deixado muito pouco tempo e principalmente disponibilidade mental para a escrita destas crónicas que tinha pensado produzir a um ritmo semanal – temas e motivos é que não me faltam... pondero a hipótese de me atrever a escrever um livro no final deste ano lectivo, terminada a minha aventura africana.

Retomo as “Crónicas de Maputo” falando não da cidade, mas duma pequena ilha situada a apenas 32Km da capital Moçambicana: a ilha de Inhaca. Esta pequena ilha situa-se na extremidade da barreira natural entre o Oceano Índico e a Baía de Maputo, quase tocando a península de Machangulo. Apesar das suas reduzidas dimensões (menos de 40Km2) esta ilha oferece boas condições de habitabilidade: pântanos situados entre as dunas constituem uma preciosa fonte de água doce, as densas florestas fornecem madeira e a vegetação pode ser aproveitada para a construção de palhotas; o mar, esse abunda em peixe, marisco e crustáceos. Os primeiros habitantes foram durante muito tempo liderados por régulos da dinastia Nhaca – daí o nome dado à ilha.

Conta a lenda que os primeiros povoadores teriam abordado a ilha a partir de uma jangada à deriva no mar. Esta jangada viria do Norte arrastada por correntes devido a cheias no continente... ainda hoje todos os mortos na ilha são enterrados com a cabeça virada para Norte: “de onde todos nós viemos”.



Navegadores Portugueses instituíram no século XVIII um posto de comércio de Marfim numa pequena ilhota anexa a Inhaca ainda hoje conhecida como Ilha dos Portugueses.

A Inhaca de hoje é uma ilha pacata, após os atribulados anos da guerra civil de Moçambique em que a sua população disparou para quase 10.000 habitantes devido ao fluxo de refugiados. Com os acordos de paz de 92 muitos regressaram ao continente e presentemente vivem cerca de 4500 pessoas na ilha. Este povo vive tranquilamente, sobrevivendo dos recursos naturais, mas dependendo fortemente de bens vindos da capital – recentemente o turismo tem sido a nova aposta e aos poucos começam a surgir infraestruturas que procuram rentabilizar a maior riqueza desta ilha: as lindíssimas praias de areia fina.

Foi este pequeno paraíso que fui conhecer, aproveitando um fim de semana prolongado por um feriado...