Crónicas de Maputo

Pequenas páginas de um extenso álbum de memórias gravado durante um ano de intensas experiências vividas enquanto trabalhei em Moçambique no ano lectivo de 2004/2005.

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Localização: Fundão, Cova da Beira, Portugal

segunda-feira, maio 23, 2005

A Praia do Bilene

Há algo de mágico e fascinante no mar que leva o homem a procurá-lo incessantemente quando necessita de quebrar a rotina ou relaxar um pouco do ritmo alucinante da vida urbana. Aliás desde sempre que a praia é o principal destino de férias da maioria das pessoas, independentemente da raça ou credo - o que será que provoca este fascínio que temos pela praia, pelo sol e pelo mar? Existem, na minha opinião, três motivos fundamentais:

- A Possibilidade de deixar tudo para trás e disfrutar de um horizonte imenso e limpo que nos dá uma fugaz sensação de independência e liberdade.

- Existe na atmosfera das zonas costeiras uma maior densidade de iões negativos que, paradoxalmente, têm um efeito positivo no nosso estado de espírito efectuando um balanço electromagnético no nosso cérebro - à semelhança do que sucede após uma trovoada.

- A exposição ociosa ao sol e, consequentemente, ao calor, estimula as nossas hormonas provocando uma maior predisposição para o acto sexual (obviamente que o estímulo visual dos corpos semi-despidos também terá a sua influência)

Seja qual for o motivo que nos move, o que é certo é que havendo oportunidade (férias, fins de semana, feriados) todos gostamos de 'ir ver o mar'. Uma das grandes vantagens de trabalhar em Moçambique é dispor de praias fantásticas ás quais podemos ir durante todo o ano dado o clima favorável. Uma zona muito procurada pelos habitantes de Maputo (bem como de algum Sul-Africanos) é a região de Gaza que se situa a cerca de 200Km a Norte de Maputo e onde podemos encontrar algumas praias magníficas, designadamente Chidenguele, Zongoene, Xai-Xai e o Bilene (destino mais popular por ser o mais próximo da capital e por ser aquele com mais estruturas de apoio). Sair de manhã cedo no sábado rumo ao Bilene e regressar no domingo ao fim do dia à capital é suficiente para recarregar baterias para mais uma ou duas semanas de trabalho.


Após atravessar os bairros periféricos a norte de Maputo (Chiquilene e Hulene) que nos chocam pela miséria aí observada, somos confrontados com uma paisagem lindíssima em que o vermelho da terra africana contrasta com o forte verde dum mato tropical quase virgem, salpicado aqui e ali por formigueiros de mais de 1 metro de altura. Graças ás recentes obras de intervenção, a EN1 (que rasga o país de Norte a Sul) dispõe de um óptimo piso de asfalto, tornando a viagem rápida e agradável. Uma paragem obrigatória faz-se na Manhiça (sensivelmente a meio do caminho) para uma sandes de Leitão à Bairrada (!) e uma cerveja bem geladinha... confesso que esta é uma das minhas partes favoritas da viagem, fazendo-me recordar as paragens obrigatórias das viagens de verão em Portugal (o leitão na Mealhada ou as febras na Marateca). A viagem prossegue atravessando a pequena povoação de Palmeira, que recebeu o seu nome devido a uma palmeira gigante que serviu durante décadas como ponto de referência aos viajantes (incluindo Gago Coutinho na sua travessia aérea deste país); infelizmente um relâmpago derrubou no final de 2004 esta árvore secular restando apenas a base do tronco e uma placa evocativa). A pouco mais de 20Km do final da nossa viagem passamos pela Macia, ponto de abastecimento de Fruta (o F é propositadamente maíusculo pois aqui a fruta é mesmo Fruta... vou ter certamente saudades das Mangas e Papaias de Moçambique).

Chegados finalmente ao Bilene podemos observar esta pequena povoação dominada por uma enorme lagoa de água salgada (mais de 27Km de extensão) cuja temperatura ultrapassa frequentemente os 30°... é fantástico nadar aqui: as águas são extremamente límpidas e permanentemente calmas e nelas podemos caminhar muitas dezenas de metros 'lagoa adentro' sem deixar de pisar solo firme - é como dispor de uma enorme piscina aquecida rodeada por vegetação luxuriante e com os pássaros a fornecerem uma agradável e repousante banda sonora (cortada aqui e ali pelo enervante som de motos 4x4 cujos condutores pré-adolescentes insistem em acelerar na estrada mesmo junto ao areal... confesso que a parte mais obscura do meu cérebro desejou várias vezes que esses meninos sofressem de uma crise intestinal aguda durante o fim de semana e fossem a correr para casa). Fora da povoação a oferta em termos de alojamento e alimentação é vasta e os preços acessíveis.


Um dos momentos altos do último fim de semana em que visitei o Bilene surgiu com o cair da noite - a quase total ausência de luz artificial junto à lagoa, associada a um céu imaculadamente limpo transformou a abóbada celeste num gigantesco planetário... foi impressionante e indiscritível a nitidez com que se avistavam as principais constelações banhadas pela láctea Estrada de Santiago. Deixei-me ficar durante largos minutos deitado na areia ouvindo o suave murmurar da água que me banhava os pés e fitando o céu imaginei que em torno de cada um daqueles minúsculos pontos brilhantes poderia existir um planeta onde outro ser estaria igualmente deitado, fitando o nosso Sol e especulando sobre a minha existência...