Crónicas de Maputo
Pequenas páginas de um extenso álbum de memórias gravado durante um ano de intensas experiências vividas enquanto trabalhei em Moçambique no ano lectivo de 2004/2005.
Acerca de mim
- Nome: João Nogueira
- Localização: Fundão, Cova da Beira, Portugal
quarta-feira, junho 28, 2006
quinta-feira, julho 28, 2005
Até Sempre Maputo!
O tempo é uma noção muito curiosa: apesar de ter sido convencionada pelo homem a sua divisão em pequenas fracções todas iguais, na realidade todos nós temos diariamente a sugestão que essas fracções não são assim tão iguais e alguma demoram muito mais a passar do que outras… Se tal é notório no nosso quotidiano, mais evidente se torna quando retrospectivamos o nosso passado recente e nos damos conta da velocidade em que o vivemos ou, a maioria das vezes, da velocidade a que este passou por nós.
Completa que está esta minha presença em Moçambique (regresso esta semana a Portugal) reflito com espanto sobre o ritmo alucinante a que estes doze meses decorreram; houve momentos em que parecia que faltava ainda uma eternidade para as férias de Verão - que ainda teria oportunidade de ver, experimentar, sentir, tanta coisa que acabei por não fazer - agora que olho para trás, apesar de ter recheado o meu baú de memórias com uma miríade de visões, cheiros e emoções que jamais esquecerei, concluo que tudo passou num instante, como se apenas uma daquelas pequenas fracções tivesse decorrido – “Parece que foi ontem que cheguei!...” (frase cliché que se repete gratuitamente nestas situações, mas não deixa de ser uma realidade)
Nestes últimos dias sinto uma necessidade extrema de expremer todas as fracções temporais de forma a aproveitar ao máximo os derradeiros momentos desta aventura… percorro as ruas da cidade de Maputo com um sorriso cúmplice recordando tudo aquilo que aqui vivi; fito demoradamente alguns locais numa vã tentativa de que algumas imagens possam ficar gravadas na minha memória como se de uma película fotográfica se tratasse… tenho muita vontade de regressar ao meu país e estou ansioso por voltar a abraçar todos aqueles que amo e que me aguardam em Portugal (a saudade do emigrante é algo de indescritível) mas ah, como gostaria de poder levar comigo parte deste outro mundo em que tive o privilégio de mergulhar.
Na primeira crónica que escrevi, poucos dias depois de aterrar em Maputo, falei no feitiço de África e da forma como este continente nos prende; na altura era mais uma sensação… hoje é uma certeza. Terei possivelmente várias oportunidades de voltar a África ao longo da minha vida, nem que seja numa fugaz visita turística, mas mesmo que tal nunca venha a acontecer uma certeza eu tenho: África nunca deixará de me acompanhar…
Até sempre Maputo, Kanimambo Moçambique!
Completa que está esta minha presença em Moçambique (regresso esta semana a Portugal) reflito com espanto sobre o ritmo alucinante a que estes doze meses decorreram; houve momentos em que parecia que faltava ainda uma eternidade para as férias de Verão - que ainda teria oportunidade de ver, experimentar, sentir, tanta coisa que acabei por não fazer - agora que olho para trás, apesar de ter recheado o meu baú de memórias com uma miríade de visões, cheiros e emoções que jamais esquecerei, concluo que tudo passou num instante, como se apenas uma daquelas pequenas fracções tivesse decorrido – “Parece que foi ontem que cheguei!...” (frase cliché que se repete gratuitamente nestas situações, mas não deixa de ser uma realidade)
Nestes últimos dias sinto uma necessidade extrema de expremer todas as fracções temporais de forma a aproveitar ao máximo os derradeiros momentos desta aventura… percorro as ruas da cidade de Maputo com um sorriso cúmplice recordando tudo aquilo que aqui vivi; fito demoradamente alguns locais numa vã tentativa de que algumas imagens possam ficar gravadas na minha memória como se de uma película fotográfica se tratasse… tenho muita vontade de regressar ao meu país e estou ansioso por voltar a abraçar todos aqueles que amo e que me aguardam em Portugal (a saudade do emigrante é algo de indescritível) mas ah, como gostaria de poder levar comigo parte deste outro mundo em que tive o privilégio de mergulhar.
Na primeira crónica que escrevi, poucos dias depois de aterrar em Maputo, falei no feitiço de África e da forma como este continente nos prende; na altura era mais uma sensação… hoje é uma certeza. Terei possivelmente várias oportunidades de voltar a África ao longo da minha vida, nem que seja numa fugaz visita turística, mas mesmo que tal nunca venha a acontecer uma certeza eu tenho: África nunca deixará de me acompanhar…
Até sempre Maputo, Kanimambo Moçambique!
segunda-feira, maio 23, 2005
A Praia do Bilene
Há algo de mágico e fascinante no mar que leva o homem a procurá-lo incessantemente quando necessita de quebrar a rotina ou relaxar um pouco do ritmo alucinante da vida urbana. Aliás desde sempre que a praia é o principal destino de férias da maioria das pessoas, independentemente da raça ou credo - o que será que provoca este fascínio que temos pela praia, pelo sol e pelo mar? Existem, na minha opinião, três motivos fundamentais:
- A Possibilidade de deixar tudo para trás e disfrutar de um horizonte imenso e limpo que nos dá uma fugaz sensação de independência e liberdade.
- Existe na atmosfera das zonas costeiras uma maior densidade de iões negativos que, paradoxalmente, têm um efeito positivo no nosso estado de espírito efectuando um balanço electromagnético no nosso cérebro - à semelhança do que sucede após uma trovoada.
- A exposição ociosa ao sol e, consequentemente, ao calor, estimula as nossas hormonas provocando uma maior predisposição para o acto sexual (obviamente que o estímulo visual dos corpos semi-despidos também terá a sua influência)
Seja qual for o motivo que nos move, o que é certo é que havendo oportunidade (férias, fins de semana, feriados) todos gostamos de 'ir ver o mar'. Uma das grandes vantagens de trabalhar em Moçambique é dispor de praias fantásticas ás quais podemos ir durante todo o ano dado o clima favorável. Uma zona muito procurada pelos habitantes de Maputo (bem como de algum Sul-Africanos) é a região de Gaza que se situa a cerca de 200Km a Norte de Maputo e onde podemos encontrar algumas praias magníficas, designadamente Chidenguele, Zongoene, Xai-Xai e o Bilene (destino mais popular por ser o mais próximo da capital e por ser aquele com mais estruturas de apoio). Sair de manhã cedo no sábado rumo ao Bilene e regressar no domingo ao fim do dia à capital é suficiente para recarregar baterias para mais uma ou duas semanas de trabalho.
Após atravessar os bairros periféricos a norte de Maputo (Chiquilene e Hulene) que nos chocam pela miséria aí observada, somos confrontados com uma paisagem lindíssima em que o vermelho da terra africana contrasta com o forte verde dum mato tropical quase virgem, salpicado aqui e ali por formigueiros de mais de 1 metro de altura. Graças ás recentes obras de intervenção, a EN1 (que rasga o país de Norte a Sul) dispõe de um óptimo piso de asfalto, tornando a viagem rápida e agradável. Uma paragem obrigatória faz-se na Manhiça (sensivelmente a meio do caminho) para uma sandes de Leitão à Bairrada (!) e uma cerveja bem geladinha... confesso que esta é uma das minhas partes favoritas da viagem, fazendo-me recordar as paragens obrigatórias das viagens de verão em Portugal (o leitão na Mealhada ou as febras na Marateca). A viagem prossegue atravessando a pequena povoação de Palmeira, que recebeu o seu nome devido a uma palmeira gigante que serviu durante décadas como ponto de referência aos viajantes (incluindo Gago Coutinho na sua travessia aérea deste país); infelizmente um relâmpago derrubou no final de 2004 esta árvore secular restando apenas a base do tronco e uma placa evocativa). A pouco mais de 20Km do final da nossa viagem passamos pela Macia, ponto de abastecimento de Fruta (o F é propositadamente maíusculo pois aqui a fruta é mesmo Fruta... vou ter certamente saudades das Mangas e Papaias de Moçambique).
Chegados finalmente ao Bilene podemos observar esta pequena povoação dominada por uma enorme lagoa de água salgada (mais de 27Km de extensão) cuja temperatura ultrapassa frequentemente os 30°... é fantástico nadar aqui: as águas são extremamente límpidas e permanentemente calmas e nelas podemos caminhar muitas dezenas de metros 'lagoa adentro' sem deixar de pisar solo firme - é como dispor de uma enorme piscina aquecida rodeada por vegetação luxuriante e com os pássaros a fornecerem uma agradável e repousante banda sonora (cortada aqui e ali pelo enervante som de motos 4x4 cujos condutores pré-adolescentes insistem em acelerar na estrada mesmo junto ao areal... confesso que a parte mais obscura do meu cérebro desejou várias vezes que esses meninos sofressem de uma crise intestinal aguda durante o fim de semana e fossem a correr para casa). Fora da povoação a oferta em termos de alojamento e alimentação é vasta e os preços acessíveis.
Um dos momentos altos do último fim de semana em que visitei o Bilene surgiu com o cair da noite - a quase total ausência de luz artificial junto à lagoa, associada a um céu imaculadamente limpo transformou a abóbada celeste num gigantesco planetário... foi impressionante e indiscritível a nitidez com que se avistavam as principais constelações banhadas pela láctea Estrada de Santiago. Deixei-me ficar durante largos minutos deitado na areia ouvindo o suave murmurar da água que me banhava os pés e fitando o céu imaginei que em torno de cada um daqueles minúsculos pontos brilhantes poderia existir um planeta onde outro ser estaria igualmente deitado, fitando o nosso Sol e especulando sobre a minha existência...
- A Possibilidade de deixar tudo para trás e disfrutar de um horizonte imenso e limpo que nos dá uma fugaz sensação de independência e liberdade.
- Existe na atmosfera das zonas costeiras uma maior densidade de iões negativos que, paradoxalmente, têm um efeito positivo no nosso estado de espírito efectuando um balanço electromagnético no nosso cérebro - à semelhança do que sucede após uma trovoada.
- A exposição ociosa ao sol e, consequentemente, ao calor, estimula as nossas hormonas provocando uma maior predisposição para o acto sexual (obviamente que o estímulo visual dos corpos semi-despidos também terá a sua influência)
Seja qual for o motivo que nos move, o que é certo é que havendo oportunidade (férias, fins de semana, feriados) todos gostamos de 'ir ver o mar'. Uma das grandes vantagens de trabalhar em Moçambique é dispor de praias fantásticas ás quais podemos ir durante todo o ano dado o clima favorável. Uma zona muito procurada pelos habitantes de Maputo (bem como de algum Sul-Africanos) é a região de Gaza que se situa a cerca de 200Km a Norte de Maputo e onde podemos encontrar algumas praias magníficas, designadamente Chidenguele, Zongoene, Xai-Xai e o Bilene (destino mais popular por ser o mais próximo da capital e por ser aquele com mais estruturas de apoio). Sair de manhã cedo no sábado rumo ao Bilene e regressar no domingo ao fim do dia à capital é suficiente para recarregar baterias para mais uma ou duas semanas de trabalho.
Após atravessar os bairros periféricos a norte de Maputo (Chiquilene e Hulene) que nos chocam pela miséria aí observada, somos confrontados com uma paisagem lindíssima em que o vermelho da terra africana contrasta com o forte verde dum mato tropical quase virgem, salpicado aqui e ali por formigueiros de mais de 1 metro de altura. Graças ás recentes obras de intervenção, a EN1 (que rasga o país de Norte a Sul) dispõe de um óptimo piso de asfalto, tornando a viagem rápida e agradável. Uma paragem obrigatória faz-se na Manhiça (sensivelmente a meio do caminho) para uma sandes de Leitão à Bairrada (!) e uma cerveja bem geladinha... confesso que esta é uma das minhas partes favoritas da viagem, fazendo-me recordar as paragens obrigatórias das viagens de verão em Portugal (o leitão na Mealhada ou as febras na Marateca). A viagem prossegue atravessando a pequena povoação de Palmeira, que recebeu o seu nome devido a uma palmeira gigante que serviu durante décadas como ponto de referência aos viajantes (incluindo Gago Coutinho na sua travessia aérea deste país); infelizmente um relâmpago derrubou no final de 2004 esta árvore secular restando apenas a base do tronco e uma placa evocativa). A pouco mais de 20Km do final da nossa viagem passamos pela Macia, ponto de abastecimento de Fruta (o F é propositadamente maíusculo pois aqui a fruta é mesmo Fruta... vou ter certamente saudades das Mangas e Papaias de Moçambique).
Chegados finalmente ao Bilene podemos observar esta pequena povoação dominada por uma enorme lagoa de água salgada (mais de 27Km de extensão) cuja temperatura ultrapassa frequentemente os 30°... é fantástico nadar aqui: as águas são extremamente límpidas e permanentemente calmas e nelas podemos caminhar muitas dezenas de metros 'lagoa adentro' sem deixar de pisar solo firme - é como dispor de uma enorme piscina aquecida rodeada por vegetação luxuriante e com os pássaros a fornecerem uma agradável e repousante banda sonora (cortada aqui e ali pelo enervante som de motos 4x4 cujos condutores pré-adolescentes insistem em acelerar na estrada mesmo junto ao areal... confesso que a parte mais obscura do meu cérebro desejou várias vezes que esses meninos sofressem de uma crise intestinal aguda durante o fim de semana e fossem a correr para casa). Fora da povoação a oferta em termos de alojamento e alimentação é vasta e os preços acessíveis.
Um dos momentos altos do último fim de semana em que visitei o Bilene surgiu com o cair da noite - a quase total ausência de luz artificial junto à lagoa, associada a um céu imaculadamente limpo transformou a abóbada celeste num gigantesco planetário... foi impressionante e indiscritível a nitidez com que se avistavam as principais constelações banhadas pela láctea Estrada de Santiago. Deixei-me ficar durante largos minutos deitado na areia ouvindo o suave murmurar da água que me banhava os pés e fitando o céu imaginei que em torno de cada um daqueles minúsculos pontos brilhantes poderia existir um planeta onde outro ser estaria igualmente deitado, fitando o nosso Sol e especulando sobre a minha existência...
quarta-feira, abril 27, 2005
Kruger Park
Quando pensamos ou ouvimos falar em África, uma das primeiras imagens que nos surge é a da Savana repleta de animais selvagens sob um sol escaldante - o imaginário ocidental (muito marcado provavelmente por décadas de filmes e séries televisivas sobre a África Selvagem) não se consegue desligar desta imagem e uma das coisas que muita gente procura quando chega a este continente é sem dúvida a visão da 'bicharada' à solta no seu habitat natural.
Gerações de criminosos caçadores quase destruiram este riquíssimo património que só num passado recente começou a ser protegido. Um das exemplos paradigmáticos dessa protecção é o já secular Parque Nacional Kruger na província de Malelane (África do Sul). A uns escassos 90Km da cidade de Maputo este parque, cujo nome imortaliza a visionária e meritória atitude de Paul Kruger que no final do Século XIX surpreendeu tudo e todos ao proibir a caça na sua vastíssima propriedade (embrião do actual parque) procurando assim proteger a fauna ali existente, proporciona a quem o visita a possibilidade de contactar directamente com essa 'África Selvagem' dado não existir qualquer tipo de intervenção humana dentro do seu espaço. Os animais estão em liberdade absoluta, errando livremente pelos dois milhões de hectares de terreno que permanece virgem (à excepção das estradas de terra batida e de pequenos acampamentos para descanso e apoio aos mais de 750000 visitantes que o parque recebe anualmente).
Passear pelo Kruger é completamente diferente de visitar um zoo. Primeiro os animais estão em liberdade em vez de confinados a um exíguo espaço fechado e, consequentemente, têm uma atitude e vitalidade completamente diferentes das observadas nos jardins zoológicos. Em segundo lugar, o número de espécies presentes é assombrosa (bem como a quantidade de elementos de cada espécie). E em terceiro lugar (para mim o factor fundamental) a permanente expectativa de um bom avistamento faz com que cada momento seja vivido intensamente e com uma constante adrenalina a percorrer-nos o corpo até ao instante em que toda a emoção transborda quando ficamos face a face com um (ou mais) animais... É indiscritível estar a escassos metros de um gigantesco elefante africano ou de uma imprevisível manada de búfalos.
Todas as atenções dos turistas estão concentradas na busca dos 'Big Five' (Elefante, Rinoceronte, Búfalo, Leopardo e Leão) e cada avistamento é como que um prémio à paciência e persistência dos visitantes (embora a sorte seja também uma variável de muito peso nesta equação). Infelizmente, apesar de já ter visitado várias vezes o Kruger Park ainda não tive a oportunidade de observar um único Leão - ou seja apenas posso incluir quatro dos 'Cinco Grandes' no meu album de fotos... porém, para além destes são constantes os avistamentos de outros animais, desde zebras, girafas, kudus e macacos, centenas de espécies de aves e gigantescas manadas de impalas que saltitam por todo o parque (aliás é fácil descobrir um visitante 'caloiro' no Kruger - passados 5 minutos solta um grito de alegria "Olha uma Impala!" e fica surpreendido quando toda a gente se ri... pouco tempo depois compreende que
apesar de muito belas, as impalas acabam por fartar dado atravessarem-se milhares à nossa frente durante um dia de visita).
Em jeito de conclusão, poder-se-á dizer que este é um destino perfeito para todos os amantes da natureza ou para quem quer (re)descobrir os passageiros da Arca de Noé desta vez em liberdade e em total harmonia com o meio.
Gerações de criminosos caçadores quase destruiram este riquíssimo património que só num passado recente começou a ser protegido. Um das exemplos paradigmáticos dessa protecção é o já secular Parque Nacional Kruger na província de Malelane (África do Sul). A uns escassos 90Km da cidade de Maputo este parque, cujo nome imortaliza a visionária e meritória atitude de Paul Kruger que no final do Século XIX surpreendeu tudo e todos ao proibir a caça na sua vastíssima propriedade (embrião do actual parque) procurando assim proteger a fauna ali existente, proporciona a quem o visita a possibilidade de contactar directamente com essa 'África Selvagem' dado não existir qualquer tipo de intervenção humana dentro do seu espaço. Os animais estão em liberdade absoluta, errando livremente pelos dois milhões de hectares de terreno que permanece virgem (à excepção das estradas de terra batida e de pequenos acampamentos para descanso e apoio aos mais de 750000 visitantes que o parque recebe anualmente).
Passear pelo Kruger é completamente diferente de visitar um zoo. Primeiro os animais estão em liberdade em vez de confinados a um exíguo espaço fechado e, consequentemente, têm uma atitude e vitalidade completamente diferentes das observadas nos jardins zoológicos. Em segundo lugar, o número de espécies presentes é assombrosa (bem como a quantidade de elementos de cada espécie). E em terceiro lugar (para mim o factor fundamental) a permanente expectativa de um bom avistamento faz com que cada momento seja vivido intensamente e com uma constante adrenalina a percorrer-nos o corpo até ao instante em que toda a emoção transborda quando ficamos face a face com um (ou mais) animais... É indiscritível estar a escassos metros de um gigantesco elefante africano ou de uma imprevisível manada de búfalos.
Todas as atenções dos turistas estão concentradas na busca dos 'Big Five' (Elefante, Rinoceronte, Búfalo, Leopardo e Leão) e cada avistamento é como que um prémio à paciência e persistência dos visitantes (embora a sorte seja também uma variável de muito peso nesta equação). Infelizmente, apesar de já ter visitado várias vezes o Kruger Park ainda não tive a oportunidade de observar um único Leão - ou seja apenas posso incluir quatro dos 'Cinco Grandes' no meu album de fotos... porém, para além destes são constantes os avistamentos de outros animais, desde zebras, girafas, kudus e macacos, centenas de espécies de aves e gigantescas manadas de impalas que saltitam por todo o parque (aliás é fácil descobrir um visitante 'caloiro' no Kruger - passados 5 minutos solta um grito de alegria "Olha uma Impala!" e fica surpreendido quando toda a gente se ri... pouco tempo depois compreende que
apesar de muito belas, as impalas acabam por fartar dado atravessarem-se milhares à nossa frente durante um dia de visita).
Em jeito de conclusão, poder-se-á dizer que este é um destino perfeito para todos os amantes da natureza ou para quem quer (re)descobrir os passageiros da Arca de Noé desta vez em liberdade e em total harmonia com o meio.
quarta-feira, março 16, 2005
Uma Aventura na Catembe
No último sábado vivi um dia diferente e muito especial: após o café matinal acompanhado do sacramental pastel de nata no Continental, decidi apanhar o barco e ir conhecer a Catembe - a Catembe fica situada no outro extremo da baía de Maputo e para além da praia com um extenso areal (ideal para passear) é um local onde moram muitas pessoas que trabalham na capital; a ligação é efectuada num batelão, carinhosamente apelidado de 'catembeiro' pela população de Maputo.
Chegado à Catembe fitei ao longe a cidade de Maputo - o horizonte recortado pelos prédios marca a separação entre a baía revolta pelo forte vento que se sente e o céu carregado de nuvens - respirei fundo sentindo ter deixado o trabalho e o stresse urbano para trás e propus-me a aproveitar o dia que tinha à minha frente respirando um ar diferente. Em vez de assentar no areal junto ao cais decidi caminhar um pouco para o interior, tomando a estrada de terra batida que atravessa a planície. Dos dois lados dessa estrada o verde do capim e de algumas machambas é salpicado aqui e ali por palhotas e (poucas) casas de tijolo.
Tinha caminhado talvez uns 2 Km (começava a ponderar voltar para trás e procurar um sítio onde almoçar) quando vi junto a um pequeno carreiro que desembocava na estrada um homem que me perguntou se eu "ia para lá" enquanto apontava para o carreiro - instintivamente disse-lhe que sim, ao que ele me respondeu com um largo sorriso "então vamos juntos!..." e fomos os dois para lá!
"Num dia como o de hoje temos de ir beber o sumo!" exclamou ele entre risos... devolvi o sorriso com um ar intrigado aguardando uma explicação; "Está na altura do sumo de canhu! Nunca bebeu? Entåo há-de provar hoje!..."
Assim fomos, e enquanto caminhávamos pelos trilhos e caminhos alternativos que rasgam o mato fui conhecendo melhor o meu companheiro de viagem à medida que ele me mostrava com orgulho as diferentes partes da sua terra e partilhava comigo um pouco da sua filosofia - Willy André, nascido e criado na Catembe, trabalha hoje como agente de segurança no Aeroporto Internacional de Maputo. Fascinou-me a simplicidade objectiva do seu discurso bem como a facilidade com que me fez seu amigo. Confessou-me ter ficado admirado de me ver ali sozinho dado não ser vulgar que brancos caminhem pelo mato; aliás, segundo Willy, a própria população desconfia se vê um branco sozinho por aqueles lados, "mas se está com um de nós, então é um de nós!". Mais admirado ficou com o facto de eu não conhecer as plantas e frutas que íamos encontrando pelo caminho; foi-me então mostrando a fauna da Catembe dando-me a provar alguns frutos (Maungua, Mabsinsa e Ata de mato que acabaram por ser o nosso almoço) - como se riu quando me viu tentar partir com as mãos a casca de uma maungua de uma forma desajeitada por forma a poder comer a sua doce e leitosa polpa... aliás, todos os amigos dele que fomos encontrando (muitos carregando sacos de fruta em direcção ao cais para vender) riam para mim (e possivelmente de mim) quando lhes era dito que eu nunca tinha comido aquelas frutas.
Assim caminhámos durante mais de uma hora numa conversa permanente em que fui principalmente ouvinte tal o ritmo com que Willy debitava o seu discurso, que pela sua riqueza me levava a nã ousar interrompê-lo. Transcrevo aqui alguns dos seus pensamentos...
"Aqui no mato nunca se passa fome! - enquanto cair chuva, Deus e a natureza hão-de dar fruta e verdura para nós e para os animais..."
"O Povo tem a mania de querer ir todo viver para a cidade - na cidade é preciso pagar tudo... até o sumo eles vendem lá... o sumo e a fruta que a terra dá não deviam ser vendidas: se eu tenho eu dou, se não tenho eu peço, se ninguém tem então não se bebe!"
"A vida é um passeio... e um passeio pequeno: ou aproveitamos bem enquanto podemos ou depois já não dá!"
Chegados finalmente à casa de Willy a sua mulher apressou-se a preparar algo para nós - era a primeira vez que recebiam uma visita de alguém de fora da Catembe e impressionou-me a preocupação em que eu me sentisse bem. Duas mantas foram estendidas à sombra das árvores e foi-me oferecida um cadeira; gentilmente recusei quando vi que todos eles se iam sentar no chão e ficaram contentes quando me viram sentar junto a eles. Ao longo da tarde fomos conversando e bebendo o sumo de canhu; dado que Willy é o único elemento da família que fala português foi funcionando como tradutor daquilo que eu dizia ou explicando-me o que eles me contavam em Shangana (dialecto que por muito que tente não consigo interiorizar nem as palavras mais simples) - É uma sensação estranha ter uma família inteira a olhar para nós com um misto de curiosidade e admiração e esperando calmamente que eu terminasse para que Willy traduzisse de forma a que eles percebessem. Quanto ao sumo de canhu devo dizer que é extremamente agradável, embora após alguns copos me tenha começado a sentir um pouco zonzo... Willy sorriu quando lhe disse e contou-me que o sumo não sendo alcoólico provoca uma sensação de euforia e bem estar semelhante ao da bebida, com a vantagem de não dar 'babalaza' (ressaca)... passado algum tempo não conseguia tirar um sorriso da cara e tinha vontade de rir por tudo e por nada.
Os filhos de Willy nunca tinham visto um branco e fugiram quando cheguei lá a casa... passado algum tempo, principalmente depois de este lhes ter explicado que eu era uma pessoa como as outras e que a cor da pele não importava, lá se foram aproximando e no fim já brincavam comigo e à minha volta como se me conhecessem desde sempre - esta situação colocou-me na pele de muitos negros no mundo ocidental (aqui o 'diferente' sou eu) e deu-me que pensar... a sensação de desconforto que senti quando o Willy me disse que eles fugiram porque eu era branco foi indiscritível (nem consigo imaginar o que sentiria se não tivesse sido aceite pelas crianças... não tenho palavras para expressar o que sinto em relação à discriminação racial - principalmente quando tudo é tão simples: "somos todos pessoas como as outras"!)
Não fora o rádio roufenho que debitava música popular africana recente e esta tarde poderia ter acontecido em qualquer altura dos últimos séculos... e talvez tenha sido isso que mais me marcou e me fez meditar na viagem de regresso; enquanto o barco 'catembeiro', qual máquina do tempo me transportou de volta a Maputo e ao presente pensei na Evolução e no Progresso que todos falam e almejam... estes meses em África têm sido para mim a prova que o homem moderno, em prole desses objectivos alienantes tem esquecido em demasia as suas origens e o carácter efémero da nossa existência.
Num sábado em que praticamente não gastei dinheiro, saciei a minha sede e fome com aquilo que a terra nos dá e comunguei espiritualmente com pessoas que nunca tinha visto (e que provavelmente não voltarei a ver) de uma maneira única... à despedida, Willy disse-me que eu agora era da família ("Porque a nossa família é quem nós gostamos, não é só quem por acaso nasce na mesma casa que nós!") e que podia aparecer sempre que quisesse - não sei se tal se proporcionará, mas de certeza absoluta que jamais esquecerei este dia extraordinário.
Chegado à Catembe fitei ao longe a cidade de Maputo - o horizonte recortado pelos prédios marca a separação entre a baía revolta pelo forte vento que se sente e o céu carregado de nuvens - respirei fundo sentindo ter deixado o trabalho e o stresse urbano para trás e propus-me a aproveitar o dia que tinha à minha frente respirando um ar diferente. Em vez de assentar no areal junto ao cais decidi caminhar um pouco para o interior, tomando a estrada de terra batida que atravessa a planície. Dos dois lados dessa estrada o verde do capim e de algumas machambas é salpicado aqui e ali por palhotas e (poucas) casas de tijolo.
Tinha caminhado talvez uns 2 Km (começava a ponderar voltar para trás e procurar um sítio onde almoçar) quando vi junto a um pequeno carreiro que desembocava na estrada um homem que me perguntou se eu "ia para lá" enquanto apontava para o carreiro - instintivamente disse-lhe que sim, ao que ele me respondeu com um largo sorriso "então vamos juntos!..." e fomos os dois para lá!
"Num dia como o de hoje temos de ir beber o sumo!" exclamou ele entre risos... devolvi o sorriso com um ar intrigado aguardando uma explicação; "Está na altura do sumo de canhu! Nunca bebeu? Entåo há-de provar hoje!..."
Assim fomos, e enquanto caminhávamos pelos trilhos e caminhos alternativos que rasgam o mato fui conhecendo melhor o meu companheiro de viagem à medida que ele me mostrava com orgulho as diferentes partes da sua terra e partilhava comigo um pouco da sua filosofia - Willy André, nascido e criado na Catembe, trabalha hoje como agente de segurança no Aeroporto Internacional de Maputo. Fascinou-me a simplicidade objectiva do seu discurso bem como a facilidade com que me fez seu amigo. Confessou-me ter ficado admirado de me ver ali sozinho dado não ser vulgar que brancos caminhem pelo mato; aliás, segundo Willy, a própria população desconfia se vê um branco sozinho por aqueles lados, "mas se está com um de nós, então é um de nós!". Mais admirado ficou com o facto de eu não conhecer as plantas e frutas que íamos encontrando pelo caminho; foi-me então mostrando a fauna da Catembe dando-me a provar alguns frutos (Maungua, Mabsinsa e Ata de mato que acabaram por ser o nosso almoço) - como se riu quando me viu tentar partir com as mãos a casca de uma maungua de uma forma desajeitada por forma a poder comer a sua doce e leitosa polpa... aliás, todos os amigos dele que fomos encontrando (muitos carregando sacos de fruta em direcção ao cais para vender) riam para mim (e possivelmente de mim) quando lhes era dito que eu nunca tinha comido aquelas frutas.
Assim caminhámos durante mais de uma hora numa conversa permanente em que fui principalmente ouvinte tal o ritmo com que Willy debitava o seu discurso, que pela sua riqueza me levava a nã ousar interrompê-lo. Transcrevo aqui alguns dos seus pensamentos...
"Aqui no mato nunca se passa fome! - enquanto cair chuva, Deus e a natureza hão-de dar fruta e verdura para nós e para os animais..."
"O Povo tem a mania de querer ir todo viver para a cidade - na cidade é preciso pagar tudo... até o sumo eles vendem lá... o sumo e a fruta que a terra dá não deviam ser vendidas: se eu tenho eu dou, se não tenho eu peço, se ninguém tem então não se bebe!"
"A vida é um passeio... e um passeio pequeno: ou aproveitamos bem enquanto podemos ou depois já não dá!"
Chegados finalmente à casa de Willy a sua mulher apressou-se a preparar algo para nós - era a primeira vez que recebiam uma visita de alguém de fora da Catembe e impressionou-me a preocupação em que eu me sentisse bem. Duas mantas foram estendidas à sombra das árvores e foi-me oferecida um cadeira; gentilmente recusei quando vi que todos eles se iam sentar no chão e ficaram contentes quando me viram sentar junto a eles. Ao longo da tarde fomos conversando e bebendo o sumo de canhu; dado que Willy é o único elemento da família que fala português foi funcionando como tradutor daquilo que eu dizia ou explicando-me o que eles me contavam em Shangana (dialecto que por muito que tente não consigo interiorizar nem as palavras mais simples) - É uma sensação estranha ter uma família inteira a olhar para nós com um misto de curiosidade e admiração e esperando calmamente que eu terminasse para que Willy traduzisse de forma a que eles percebessem. Quanto ao sumo de canhu devo dizer que é extremamente agradável, embora após alguns copos me tenha começado a sentir um pouco zonzo... Willy sorriu quando lhe disse e contou-me que o sumo não sendo alcoólico provoca uma sensação de euforia e bem estar semelhante ao da bebida, com a vantagem de não dar 'babalaza' (ressaca)... passado algum tempo não conseguia tirar um sorriso da cara e tinha vontade de rir por tudo e por nada.
Os filhos de Willy nunca tinham visto um branco e fugiram quando cheguei lá a casa... passado algum tempo, principalmente depois de este lhes ter explicado que eu era uma pessoa como as outras e que a cor da pele não importava, lá se foram aproximando e no fim já brincavam comigo e à minha volta como se me conhecessem desde sempre - esta situação colocou-me na pele de muitos negros no mundo ocidental (aqui o 'diferente' sou eu) e deu-me que pensar... a sensação de desconforto que senti quando o Willy me disse que eles fugiram porque eu era branco foi indiscritível (nem consigo imaginar o que sentiria se não tivesse sido aceite pelas crianças... não tenho palavras para expressar o que sinto em relação à discriminação racial - principalmente quando tudo é tão simples: "somos todos pessoas como as outras"!)
Não fora o rádio roufenho que debitava música popular africana recente e esta tarde poderia ter acontecido em qualquer altura dos últimos séculos... e talvez tenha sido isso que mais me marcou e me fez meditar na viagem de regresso; enquanto o barco 'catembeiro', qual máquina do tempo me transportou de volta a Maputo e ao presente pensei na Evolução e no Progresso que todos falam e almejam... estes meses em África têm sido para mim a prova que o homem moderno, em prole desses objectivos alienantes tem esquecido em demasia as suas origens e o carácter efémero da nossa existência.
Num sábado em que praticamente não gastei dinheiro, saciei a minha sede e fome com aquilo que a terra nos dá e comunguei espiritualmente com pessoas que nunca tinha visto (e que provavelmente não voltarei a ver) de uma maneira única... à despedida, Willy disse-me que eu agora era da família ("Porque a nossa família é quem nós gostamos, não é só quem por acaso nasce na mesma casa que nós!") e que podia aparecer sempre que quisesse - não sei se tal se proporcionará, mas de certeza absoluta que jamais esquecerei este dia extraordinário.
terça-feira, fevereiro 01, 2005
Inhaca - Praias de Sonho
A Ilha da Inhaca é pródiga em praias e recantos perfeitamente paradisíacos. Praticamente toda a costa está forrada de uma areia muito branca, tão fina e quente que o contacto com o corpo provoca uma sensação extremamente agradável e algo sensual. Percorrer o litoral da ilha num pequeno bote de pesca enche-nos o olhar com visões dignas de um sonho – são quilómetros de paisagem praticamente virgem que nos levam a julgar estar sozinhos no mundo.
Um óbvio destaque vai para a Ilha dos Portugueses. Totalmente desabitada (provavelmente pela falta de água doce) esta pequena ilha, a escassas centenas de metros da Inhaca, é um refúgio perfeito para uma “desintoxicação” da vida urbana: a calma é total e o silêncio apenas quebrado pelo sereno esvoaçar de uma ave ou pelo repousante e envolvente bater das ondas na areia da praia. Caminhando um pouco para o interior encontramos uma lagoa (de água salgada) que no período de maré alta é ideal para nadar tranquilamente (apesar dos ouriços do mar que insistem em nos presentear com alguns espinhos pontiagudos nas plantas dos pés – citando o meu amigo Frank “Senhor, cuidado com as coisas que picam!” - obviamente que mal entrei na lagoa acertei em cheio numa das coisas que picam... felizmente as picadas não causaram qualquer tipo de reacção, apesar de um pouco doloroso). O único problema desta ilha é a ausência de zonas de sombra – os quilómetros de dunas estão completamente expostos ao abrasador sol africano e o mato é tão denso e tão densamente povoado de insectos e pequenos répteis que não consiste uma alternativa viável.
A praia de Santa Maria, na zona Sudeste da ilha, tem como ponto alto as rochas totalmente cobertas de conchas (aguçadas como facas) e uma linha de corais, ideal para a prática de ‘snorkling’ – mergulho em apneia que nos permite dislumbrar dezenas de pequenos peixes coloridos e irrequietos. Caminhando para Este, chegamos à costa banhada pelo Oceano Índico; as águas calmas da baía de Maputo dão aqui lugar ao mar revolto e agitado, que Gama desbravou há 500 anos atrás. Aqui um outro espectáculo nos é oferecido: largas dezenas de caranguejos, maiores que a palma de uma mão, pululam o areal, fugindo para o mar ou enterrando-se na areia quando sentem a nossa aproximação.
A minha preferência vai contudo para a zona Norte da ilha, onde está instalado o farol. A vista aqui é deslumbrante: o mar tem uma cor fabulosa e diversos bancos de areia levam-nos a acreditar que seria possível caminhar pelo mar dentro até à Ilha dos Portugueses, cenário impraticável devido às traiçoeiras correntes do Índico (para não falar nos tubarões). Estes mesmos bancos de areia impossibilitam a viagem de barco desde Inhaca até à Praia do Farol; efectuei esta ligação num 4x4 de um amigo do Frank (uma viagem inolvidável pelo interior da ilha onde zonas de densa floresta são rasgadas aqui e ali por alguns pastos e por meia dúzia de pequenas palhotas onde habitam dezenas de locais). A praia é uma pequena enseada que, devido à (ainda) inexistência de qualquer construção permite um contacto único com o meio. Senti-me envolto numa paz tão grande enquanto respirava aquele ar puro e era banhado naquele agradável característico aroma a sal que lamentei terrivelmente na hora de voltar para o hotel.
Resumindo, sendo esta uma pálida amostra daquilo que este país dispõe em termos de praias, as maravilhas que nos oferece associadas à proximidade da capital Maputo, transforma-a num refúgio perfeito.
Um óbvio destaque vai para a Ilha dos Portugueses. Totalmente desabitada (provavelmente pela falta de água doce) esta pequena ilha, a escassas centenas de metros da Inhaca, é um refúgio perfeito para uma “desintoxicação” da vida urbana: a calma é total e o silêncio apenas quebrado pelo sereno esvoaçar de uma ave ou pelo repousante e envolvente bater das ondas na areia da praia. Caminhando um pouco para o interior encontramos uma lagoa (de água salgada) que no período de maré alta é ideal para nadar tranquilamente (apesar dos ouriços do mar que insistem em nos presentear com alguns espinhos pontiagudos nas plantas dos pés – citando o meu amigo Frank “Senhor, cuidado com as coisas que picam!” - obviamente que mal entrei na lagoa acertei em cheio numa das coisas que picam... felizmente as picadas não causaram qualquer tipo de reacção, apesar de um pouco doloroso). O único problema desta ilha é a ausência de zonas de sombra – os quilómetros de dunas estão completamente expostos ao abrasador sol africano e o mato é tão denso e tão densamente povoado de insectos e pequenos répteis que não consiste uma alternativa viável.
A praia de Santa Maria, na zona Sudeste da ilha, tem como ponto alto as rochas totalmente cobertas de conchas (aguçadas como facas) e uma linha de corais, ideal para a prática de ‘snorkling’ – mergulho em apneia que nos permite dislumbrar dezenas de pequenos peixes coloridos e irrequietos. Caminhando para Este, chegamos à costa banhada pelo Oceano Índico; as águas calmas da baía de Maputo dão aqui lugar ao mar revolto e agitado, que Gama desbravou há 500 anos atrás. Aqui um outro espectáculo nos é oferecido: largas dezenas de caranguejos, maiores que a palma de uma mão, pululam o areal, fugindo para o mar ou enterrando-se na areia quando sentem a nossa aproximação.
A minha preferência vai contudo para a zona Norte da ilha, onde está instalado o farol. A vista aqui é deslumbrante: o mar tem uma cor fabulosa e diversos bancos de areia levam-nos a acreditar que seria possível caminhar pelo mar dentro até à Ilha dos Portugueses, cenário impraticável devido às traiçoeiras correntes do Índico (para não falar nos tubarões). Estes mesmos bancos de areia impossibilitam a viagem de barco desde Inhaca até à Praia do Farol; efectuei esta ligação num 4x4 de um amigo do Frank (uma viagem inolvidável pelo interior da ilha onde zonas de densa floresta são rasgadas aqui e ali por alguns pastos e por meia dúzia de pequenas palhotas onde habitam dezenas de locais). A praia é uma pequena enseada que, devido à (ainda) inexistência de qualquer construção permite um contacto único com o meio. Senti-me envolto numa paz tão grande enquanto respirava aquele ar puro e era banhado naquele agradável característico aroma a sal que lamentei terrivelmente na hora de voltar para o hotel.
Resumindo, sendo esta uma pálida amostra daquilo que este país dispõe em termos de praias, as maravilhas que nos oferece associadas à proximidade da capital Maputo, transforma-a num refúgio perfeito.
Inhaca - Frank
Chegado a Inhaca, após um breve reconhecimento à cabana sobre o areal onde fiquei instalado, decidi dar uma pequena caminhada pela praia junto ao cais de atracagem dos barcos que efectuam a ligação com o porto de Maputo (solução bem mais económica que a ligação aérea e certamente muito mais interessante – tenho de experimentar em breve).
Enquanto me deleitava com o suave toque de uma areia muito fina e limpíssima, fitava o horizonte onde era possível dislumbrar alguns dos prédios mais altos da cidade de Maputo. Sentado na areia a fumar um cigarro fui surpreendido por uma criança que por ali vagueava; cumprimentámo-nos e rapidamente encetámos uma agradável conversa – imediatamente descobri que o Frank não era um simples míudo: qual Capitão da Areia saído do romance de Jorge Amado, Frank “domina” toda a ilha, conhecendo todos os lugares e pessoas e movimentando-se como ninguém. Graças a ele calcorreei os principais recantos deste paraíso perdido em vez de me limitar às 2 ou 3 rotas pela agência de excursões sul-africana que existe na ilha; mais ainda, consegui poupar bastante dinheiro, pois os transportes que ele arranjou saíram sempre muito mais baratos dos que se recorresse à referida agência.
Tudo aquilo que se pede ao Frank ele arranja – um barco para a Ilha dos Portugueses ou para a praia de Santa Maria, um Jeep para ir até ao farol ou para a viagem de regresso ao aeroporto, peixe palhaço fresquíssimo e a preço de amigo, uma garrafa de aguardente de cana feita na ilha (à qual os locais dão o nome de “tontonto” devido ao barulho que o líquido faz quando bate no alambique metálico), enfim... é só dizer que ele rapidamente providencia!
O dia-a-dia deste míudo de 14 anos, que nunca saíu desta ilha, é acompanhar os turistas que por ali passam, conseguindo desta forma alimentar-se substancialmente melhor e recebendo alguns trocos como gorjeta. Frank acompanhou-me durante os três dias em que estiv na ilha; muito mais do que um simples guia ou carregador, ele foi uma agradável companhia, tendo sido extraordinário partilhar os seus sonhos e expectativas (à sacramental pergunta “o que queres ser quando fores grande?” ele responde sem hesitações e com um brilho no olhar, “piloto de avião, para poder voar para fora da ilha!”), bem como conhecer um pouco do quotidiano deste povo que com escassíssimos recursos consegue encontrar a felicidade.
Frank é daquele tipo de pessoas que gostamos desde logo e que dificilmente voltamos a esquecer.
Enquanto me deleitava com o suave toque de uma areia muito fina e limpíssima, fitava o horizonte onde era possível dislumbrar alguns dos prédios mais altos da cidade de Maputo. Sentado na areia a fumar um cigarro fui surpreendido por uma criança que por ali vagueava; cumprimentámo-nos e rapidamente encetámos uma agradável conversa – imediatamente descobri que o Frank não era um simples míudo: qual Capitão da Areia saído do romance de Jorge Amado, Frank “domina” toda a ilha, conhecendo todos os lugares e pessoas e movimentando-se como ninguém. Graças a ele calcorreei os principais recantos deste paraíso perdido em vez de me limitar às 2 ou 3 rotas pela agência de excursões sul-africana que existe na ilha; mais ainda, consegui poupar bastante dinheiro, pois os transportes que ele arranjou saíram sempre muito mais baratos dos que se recorresse à referida agência.
Tudo aquilo que se pede ao Frank ele arranja – um barco para a Ilha dos Portugueses ou para a praia de Santa Maria, um Jeep para ir até ao farol ou para a viagem de regresso ao aeroporto, peixe palhaço fresquíssimo e a preço de amigo, uma garrafa de aguardente de cana feita na ilha (à qual os locais dão o nome de “tontonto” devido ao barulho que o líquido faz quando bate no alambique metálico), enfim... é só dizer que ele rapidamente providencia!
O dia-a-dia deste míudo de 14 anos, que nunca saíu desta ilha, é acompanhar os turistas que por ali passam, conseguindo desta forma alimentar-se substancialmente melhor e recebendo alguns trocos como gorjeta. Frank acompanhou-me durante os três dias em que estiv na ilha; muito mais do que um simples guia ou carregador, ele foi uma agradável companhia, tendo sido extraordinário partilhar os seus sonhos e expectativas (à sacramental pergunta “o que queres ser quando fores grande?” ele responde sem hesitações e com um brilho no olhar, “piloto de avião, para poder voar para fora da ilha!”), bem como conhecer um pouco do quotidiano deste povo que com escassíssimos recursos consegue encontrar a felicidade.
Frank é daquele tipo de pessoas que gostamos desde logo e que dificilmente voltamos a esquecer.
A Ilha de Inhaca
O ritmo de trabalho e a inesperada quantidade de solicitações a que tenho sido submetido aqui em Moçambique têm-me deixado muito pouco tempo e principalmente disponibilidade mental para a escrita destas crónicas que tinha pensado produzir a um ritmo semanal – temas e motivos é que não me faltam... pondero a hipótese de me atrever a escrever um livro no final deste ano lectivo, terminada a minha aventura africana.
Retomo as “Crónicas de Maputo” falando não da cidade, mas duma pequena ilha situada a apenas 32Km da capital Moçambicana: a ilha de Inhaca. Esta pequena ilha situa-se na extremidade da barreira natural entre o Oceano Índico e a Baía de Maputo, quase tocando a península de Machangulo. Apesar das suas reduzidas dimensões (menos de 40Km2) esta ilha oferece boas condições de habitabilidade: pântanos situados entre as dunas constituem uma preciosa fonte de água doce, as densas florestas fornecem madeira e a vegetação pode ser aproveitada para a construção de palhotas; o mar, esse abunda em peixe, marisco e crustáceos. Os primeiros habitantes foram durante muito tempo liderados por régulos da dinastia Nhaca – daí o nome dado à ilha.
Conta a lenda que os primeiros povoadores teriam abordado a ilha a partir de uma jangada à deriva no mar. Esta jangada viria do Norte arrastada por correntes devido a cheias no continente... ainda hoje todos os mortos na ilha são enterrados com a cabeça virada para Norte: “de onde todos nós viemos”.
Retomo as “Crónicas de Maputo” falando não da cidade, mas duma pequena ilha situada a apenas 32Km da capital Moçambicana: a ilha de Inhaca. Esta pequena ilha situa-se na extremidade da barreira natural entre o Oceano Índico e a Baía de Maputo, quase tocando a península de Machangulo. Apesar das suas reduzidas dimensões (menos de 40Km2) esta ilha oferece boas condições de habitabilidade: pântanos situados entre as dunas constituem uma preciosa fonte de água doce, as densas florestas fornecem madeira e a vegetação pode ser aproveitada para a construção de palhotas; o mar, esse abunda em peixe, marisco e crustáceos. Os primeiros habitantes foram durante muito tempo liderados por régulos da dinastia Nhaca – daí o nome dado à ilha.
Conta a lenda que os primeiros povoadores teriam abordado a ilha a partir de uma jangada à deriva no mar. Esta jangada viria do Norte arrastada por correntes devido a cheias no continente... ainda hoje todos os mortos na ilha são enterrados com a cabeça virada para Norte: “de onde todos nós viemos”.
Navegadores Portugueses instituíram no século XVIII um posto de comércio de Marfim numa pequena ilhota anexa a Inhaca ainda hoje conhecida como Ilha dos Portugueses.
A Inhaca de hoje é uma ilha pacata, após os atribulados anos da guerra civil de Moçambique em que a sua população disparou para quase 10.000 habitantes devido ao fluxo de refugiados. Com os acordos de paz de 92 muitos regressaram ao continente e presentemente vivem cerca de 4500 pessoas na ilha. Este povo vive tranquilamente, sobrevivendo dos recursos naturais, mas dependendo fortemente de bens vindos da capital – recentemente o turismo tem sido a nova aposta e aos poucos começam a surgir infraestruturas que procuram rentabilizar a maior riqueza desta ilha: as lindíssimas praias de areia fina.
Foi este pequeno paraíso que fui conhecer, aproveitando um fim de semana prolongado por um feriado...
segunda-feira, janeiro 10, 2005
Saudade
Muitas vezes ouvimos que saudade é uma palavra portuguesa sem tradução nem equivalência noutras línguas; será um sentimento exclusivo do povo português? Sinceramente duvido, mas é indesmentível que mais ninguém o expressa como nós, quer no nosso quotidiano, quer na nossa cultura (repare-se no Fado – expoente máximo desse sentimento).
Mesmo sendo Portugal uma nação universal com comunidades espalhadas pelo planeta inteiro, herdeira de gerações de marinheiros, descobridores e comerciantes que criaram a (agora malfadada) globalização, serão poucas as gentes que sintam um apelo à terra-mãe tão grande como os ilustres lusitanos. Embora emigrados pelos quatro cantos do mundo, os portugueses na diáspora vivem com o pensamento na visita anual ao seu país e com o sonho do dia em que poderão regressar de vez.
Ao embarcar nesta aventura de vir sozinho para Moçambique perspectivei variadas vezes esta situação e antecipei a forma como reagiria a esse inevitável sentimento, mas, confesso que desconhecia de todo a magnitude com que este nos afecta. Após um primeiro período em que a descoberta desta nova realidade me deslumbrou e em que as inúmeras solicitações pessoais e profissionais me mantiveram distraído, a semente da saudade germinou numa explosão de sensações que me apanhou de alguma forma desprevenido. Cedo me apercebi do extraordinário (e incaracterístico) prazer com que assistia aos desafios de futebol do campeonato português e não levou muito tempo a que abdicasse de 3 milhões de meticais para possuir uma televisão que me permitisse seguir religiosamente o telejornal pela RTP África. Porém, aos poucos tal deixou de ser suficiente e no final de cada emissão (pese embora a catadupa de más notícias que por um lado me despoletavam um certo alívio em estar longe) invadia-me uma nostalgia que fatalmente me entristecia. Sem dúvida que as novas tecnologias permitem-nos aproximar daqueles que nos são mais queridos e quer o telefone quer o correio electrónico ajudaram a encurtar distâncias; contudo, nada acalma a agonia duma solidão que nos assola sem aviso quando nos consciencializamos da irremediável separação que impossibilita o contacto com quem nos ama, particularmente se sabemos que estes não estão bem. Não me lembro de ter sentido alguma vez tamanha frustração.
A recente deslocação que fiz a Portugal por altura do Natal acabou por potenciar este sentimento e a expressão carregada de amargura que a minha mãe espelhava na face em plena estação de caminho de ferro enquanto aguardávamos pelo comboio que me levaria a Lisboa, o esgar de quem quer sorrir enquanto engole uma lágrima e exclama «7 meses passam depressa» sem acreditar no que diz, ficaram de tal modo gravados na minha mente que não consigo neste momento pensar nela sem que essa recordação invada todas as outras memórias. O mesmo poderia dizer em relação à minha companheira e à tristeza que envolveu o último beijo. São imagens com que vivo diariamente e que me assombram antes de adormecer.
Uma coisa é certa, adquiri sem me aperceber um respeito incrível e uma enorme admiração por todos aqueles que pela necessidade material e com a perspectiva de um futuro diferente e melhor mudam de país deixando para trás não só a família e amigos, mas também uma parte de si... este respeito e admiração reparte-se quer pelos que partem, quer pelos que ficam – sinceramente não consigo dizer quem sofre mais.
Vem-me agora à memória a célebre frase de Donne (Nenhum homem é uma ilha...) e como já disse atrás, acho que ninguém é indiferente à separação; de qualquer forma cada qual tem o seu modo de sentir. Para alguns a distância não constitui grande óbice, para os latinos em geral e os portugueses em particular ela é extremamente difícil de aguentar (e lá vem a dita saudade)... para mim é impossível suportar e já tomei a decisão de regressar em definitivo a Portugal no próximo verão.
Mesmo sendo Portugal uma nação universal com comunidades espalhadas pelo planeta inteiro, herdeira de gerações de marinheiros, descobridores e comerciantes que criaram a (agora malfadada) globalização, serão poucas as gentes que sintam um apelo à terra-mãe tão grande como os ilustres lusitanos. Embora emigrados pelos quatro cantos do mundo, os portugueses na diáspora vivem com o pensamento na visita anual ao seu país e com o sonho do dia em que poderão regressar de vez.
Ao embarcar nesta aventura de vir sozinho para Moçambique perspectivei variadas vezes esta situação e antecipei a forma como reagiria a esse inevitável sentimento, mas, confesso que desconhecia de todo a magnitude com que este nos afecta. Após um primeiro período em que a descoberta desta nova realidade me deslumbrou e em que as inúmeras solicitações pessoais e profissionais me mantiveram distraído, a semente da saudade germinou numa explosão de sensações que me apanhou de alguma forma desprevenido. Cedo me apercebi do extraordinário (e incaracterístico) prazer com que assistia aos desafios de futebol do campeonato português e não levou muito tempo a que abdicasse de 3 milhões de meticais para possuir uma televisão que me permitisse seguir religiosamente o telejornal pela RTP África. Porém, aos poucos tal deixou de ser suficiente e no final de cada emissão (pese embora a catadupa de más notícias que por um lado me despoletavam um certo alívio em estar longe) invadia-me uma nostalgia que fatalmente me entristecia. Sem dúvida que as novas tecnologias permitem-nos aproximar daqueles que nos são mais queridos e quer o telefone quer o correio electrónico ajudaram a encurtar distâncias; contudo, nada acalma a agonia duma solidão que nos assola sem aviso quando nos consciencializamos da irremediável separação que impossibilita o contacto com quem nos ama, particularmente se sabemos que estes não estão bem. Não me lembro de ter sentido alguma vez tamanha frustração.
A recente deslocação que fiz a Portugal por altura do Natal acabou por potenciar este sentimento e a expressão carregada de amargura que a minha mãe espelhava na face em plena estação de caminho de ferro enquanto aguardávamos pelo comboio que me levaria a Lisboa, o esgar de quem quer sorrir enquanto engole uma lágrima e exclama «7 meses passam depressa» sem acreditar no que diz, ficaram de tal modo gravados na minha mente que não consigo neste momento pensar nela sem que essa recordação invada todas as outras memórias. O mesmo poderia dizer em relação à minha companheira e à tristeza que envolveu o último beijo. São imagens com que vivo diariamente e que me assombram antes de adormecer.
Uma coisa é certa, adquiri sem me aperceber um respeito incrível e uma enorme admiração por todos aqueles que pela necessidade material e com a perspectiva de um futuro diferente e melhor mudam de país deixando para trás não só a família e amigos, mas também uma parte de si... este respeito e admiração reparte-se quer pelos que partem, quer pelos que ficam – sinceramente não consigo dizer quem sofre mais.
Vem-me agora à memória a célebre frase de Donne (Nenhum homem é uma ilha...) e como já disse atrás, acho que ninguém é indiferente à separação; de qualquer forma cada qual tem o seu modo de sentir. Para alguns a distância não constitui grande óbice, para os latinos em geral e os portugueses em particular ela é extremamente difícil de aguentar (e lá vem a dita saudade)... para mim é impossível suportar e já tomei a decisão de regressar em definitivo a Portugal no próximo verão.